sábado, outubro 01, 2005

Renascentismo, Barroquismo, Modernismo, Especialismo. (!??!)

Para além de todos os outros, há um pequeno mal da nossa sociedade - dita contemporânea, moderna, desenvolvida, ocidental - que me atormenta e aflige um pouco.
Assim, como me é extraordinariamente difícil ter sequer pretensões a escrever algo relevante sobre, por exemplo: Conflitos Internacionais; Terrorismo; Pandemias; Calamidades Naturais; Questões Sociais; Problemas Políticos e eleições autárquicas, que não são bem a mesma coisa!; etc, etc, etc (ena, só assim fazendo uma enumeração, mesmo não exaustiva, é que uma pessoa se apercebe de quão mal vai o nosso Mundo), limito-me, portanto, a focar-me na terrível tendência, não tão actual quanto isso, para a hiper-especialização e "tecnicalização" deste nosso mundo competitivo.
Vivemos numa sociedade, rápida, desenvolvida, competitiva, feita de, para e por especialistas - sim, até no nosso cantinho chamado Portugal, para o efeito não faz diferença: se se tem um computador para ler este texto então também tem de se estar incluido. Cada um de nós sente, e é encorajado cada vez mais nesse sentido, que tem de ser o MELHOR (possível), seja lá no que for que cada um faça; temos de ser criativos, competitivos, produtivos e aspirar sempre a melhorar todos estes parâmetros da nossa actividade!
Quero já deixar claro que não tenho nada em concreto contra a competitividade e produtividade, nada em absoluto contra a criatividade, e que seguramente acho positivo que se procure melhorar, evoluir! O que me faz confusão é mais o processo através do qual é suposto serem atingidos estes resultados, é o "como", é o grau de excelência, levado ao paroxismo e à obsessão, necessário para dominar as máquinas com que trabalhamos - e as máquinas são: as propriamente ditas, mas também as instituições, as circunstâncias, as especificidades e idiossincracias de realidades cada vez mais complexas!
Eu tenho de saber tudo o que há para saber, dominar, estar à vontade, "baralhar e voltar a dar", os aspectos específicos da minha área de actividade, que por acaso são cada vez mais e que, felizmente para mim, até nem têm tanto a ver com produtividade ou competitividade quanto isso (mas isso é apenas uma feliz coincidência para mim e que não altera substancialmente o ponto que estou a demosntrar, em geral, uma vez que decidi ser músico e tenho de desenvolver mais a parte criativa). O problema é que, ou somos todos super-homens, ou quando finalmente soubermos o suficiente para sermos úteis à sociedade naquilo que decidimos fazer, tragicamente, já será demasiado tarde para aprender seja lá o que for sobre outra coisa qualquer!
Exagero? Talvez, mas a verdade é que a tendência vai cada vez mais no sentido de aparecerem cada vez mais técnicos hiper-competentes-especializadíssimos-maquinais-infalíveis e IGNORANTES, do que leigos-cultos-honestos-curiosos, enfim pessoas... Homens!
Mas o mais subversivo, na minha opinião, é que também há quem tente encapotar e amenizar esta tendência, proclamando que se deve aspirar é precisamente ao oposto. Não sei exactamente se se chama pós-modernismo ou não (sou suficientemente ignorante em epistemologia e Ciência Social para poder cometer destas gaffes), mas como é dos meus odiozinhos pessoais preferidos vou partir do princípio de que sim.
Não raras vezes se ouve falar de interdisciplinariedade, complementaridade dos saberes, de aprofundamento de conhecimentos em áreas distintas, como se fossem ideais a atingir, ou mesmo condições sine qua non para se ser produtivo, etc.
Mas a verdade é que nunca consegui deixar de sentir, ao ouvir representantes desta corrente, que talvez os próprios nem sequer acreditem muito bem no que apregoam! Parece que eles são os responáveis precisamente pelo contrário, pela especialização, pelo afunilamento, mas que depois, por um qualquer tipo de peso na consciência, por terem consciência dos malefícios do mundo complicado que criaram, aparentam encorajar que se lute contra essa visão redutora e que se seja "pós-moderno"!
Faz-se festinhas com uma mão e com a outra bate-se com o cinto! É que se alguém se aventura a sério neste "iluminismo" - chamemos-lhe assim - é relativamente fácil ficar-se proscrito, fora do circuito dos especialistas, e é-se logo acusado de se ser demasiado vago, disperso, pouco correcto tecnicamente, por parte dos professores-especialistas que, se calhar, noutra ocasião e contexto se afadigaram a incentivar precisamente esta pluridisciplinaridade!
Imagino que haja uma minoria destes resistentes, anacrónicos Homens do Renascimento, no limbo da excomungação desta nossa comunidade técnica (eu, por exemplo, conheço um e consigo conceber que haja mais... tal como as bruxas, ou os O.V.N.I.s). Depois há um grupo, não sei se minoritário ou não, daqueles que, não tendo a perseverança suficiente para resistir contra o tempo em que vivem, não têm outro remédio senão "irem-se especializando", enquanto mantêm, mais ou menos em segredo e esperando que ninguém repare nisso, uma certa admiração e uma pontinha de inveja salutar por essa estirpe cuja existência, às vezes, parece assemelhar-se à dos gambuzinos!
Pessoalmente não me considero nem super-homem, nem super-máquina. Posto perante o dilema de apostar mais em saber tudo sobre o meu ofício, e nada mais; ou em saber um pouco mais sobre tudo, para além do meu ofício; como diria o outro (não sei quem, mas gosto de usar esta expressão): "Entre les deux, mon coeur balance!".
Não consigo evitar sentir a angústia da ignorância quando finalmente, à custa de muito porfiar e obsecar com a minha música, começo a ter lampejos de compreender, por exemplo, a essência do estilo da música francesa por oposição à alemã e como exprimi-las, ou ainda mais especificamente, o significado daquele acorde obtuso e dissonante naquela peça de Brahms (podia ser ainda pior!). Da mesma forma que quando me dou ao trabalho de saber algo mais sobre o mundo que me rodeia, o que posso fazer por ele, por mim e pela nossa relação um com o outro, não me consigo livrar do receio da incapacidade técnica para exprimir seja lá o que for através de sons!
Para mim acho que resulta ir passando o peso do dilema de um pé para o outro... balançando, mas não faço ideia se funciona sempre e para qualquer um, ou se é uma coisa pessoal. É como se dentro de mim coexistissem um Renascimento e um Pós-modernismo que vou tentando conciliar. Se calhar é isso mesmo que quer(o) dizer - é o BARROQUISMO!
É certo que o Renascimento e o Iluminismo são anciães de 500 anos de idade, que o Barroco tem 300 e que não me passa pela cabeça que 500 anos depois ainda devessemos andar a (re-)descobrir o que esses homens notáveis conseguiram inventar. Acredito no progresso (pelo menos em algum dele), e acho que não viveria melhor se tivesse nascido em 1481 ou 1681, mas não imagino que possa aparecer um Leonardo da Vinci ou um Johann Sebastian Bach (AH, Bach!) no século XXI - daqui a alguns séculos a História se encarregará de me contradizer ou não - e esta nostalgia ninguém ma pode tirar.

4 comentários:

a disse...

Não estás sozinho no mundo, eu acredito que é importante sabermos bem o nosso ofício, e o mais possível de tudo o resto! Se não como é que falavas com pessoas que não são músicos, se n soubesses mais nada...não poderíamos conversar. e nós conversamos muito! não és o super-homem, mas és o super-zé!

Anónimo disse...

Isto é mágico. É um sucedâneo das nossas conversas às 4 ou 5... ou 6 da manhã, depois de uma noitada no "bairro". Um sucedâneo é sempre um substituto (sucedâneo de chocolate é horrível) e, neste caso, eu estou em desvantagem pq n consigo, com os dedos, acompanhar a velocidade dos pensamentos q ditam os comentários. Terei de praticar mais... Etretanto delicio-me. Vivós blogs!

Anónimo disse...

pois é, Zézinho... obrigada por me fazeres pensar, por me dares frases e pensamentos que me hão-de vir à memória nas alturas mais inesperadas, mas quando o barroquismo for, talvez, a melhor saída!!...

agil disse...

não sei como é que aqui vim parar, mas li até ao fim, com interesse. não partilho dessa visão 'dualista', ou sim ou sopas, mas concordo com as tuas críticas aos supostos pós-modernos que depois se queixam de pós-modernismo a mais. mas o problema é, provavelmente, estares a dar a importância errada a isso. notá-lo é mais interessante do que frustrante - não? (quando deixar de ter dinheiro para comer talvez passe a pensar doutra maneira, não sei)
cumprimentos

ps: reparo agora q isto tem uma data antiga,talvez esta resposta já não [te] faça sentido.