É estranho ser apenas agora que publico o meu primeiro post directamente relacionado com música, ainda para mais um que não vai ser tão extenso como eu creio que o assunto mereceria, mas enfim, foi um pensamento que me ocorreu há uns minutos e que não se podia perder no nada do esquecimento e, assim, fica registado (a importância que possa vir a ter logo se vê)
Assistindo a um "voorspeelavond" (vulgo "audição" em Português) de Traverso numa sala muito pequenininha do KonCon e, distraido, enquanto ouvia, a olhar pela janela (a sala era num quinto andar, já agora) que dá para um amontoado de prédios enormes, uma autoestrada, várias linhas de comboio e de tram (eléctrico), etc, etc, etc, dei por mim a divagar e devanear acerca do sentido, se não da vida, pelo menos do meu rumo na vida, nomeadamente enquanto músico.
Vou explicar melhor.
A dicotomia e desfasamento entre 2005 - com a autoestrada, os prédios, o comboio, etc, que, por si só já são um pouco "chocantes", mas funcionam aqui só como amostra e metáfora do nosso tempo, do nosso século, com o que tem de bom mas, sobretudo, com o que tem de mau - e uma Cantata de Telemann, uma Sonata de Bach, uma Suitte de Hotteterre, Uma Sonata de Leclair ou outra de Händel, enfim aquilo que eu escolhi fazer na vida, esse desfasamento, dizia eu, é demasiado grande, diria quase monstruoso, para que, pelo menos, não valha a pena eu me deter um bom bocado a pensar sobre a questão!
E a questão é... porquê? qual o sentido? de ouvir e sobretudo de fazer música escrita há 400, 350, 300 anos!!??
É evidente que a resposta simples a esta questão complexa está na Música, ela própria, em geral e em cada uma das peças individualmente! Mas há mais, tem de haver mais (de outro não me teria dignado a passar estes pensamentos para palavras escritas!)
E esse extra de dúvida e problemática reside noutra questão... COMO? como fazer música, como tocá-la, como viver perante ela, que papel e participação lhe atribuir na vida!? Este post chama-se cinismo porque essa é uma das maneiras de responder a esta questão: como? com cinismo! Sim, exactamente, não é engano! É cínico tentar tocar-se a música (pelo menos esta música) com uma autenticidade que será sempre inatingível!!!
A esta conclusão não cheguei eu em primeira mão, longe disso! Mesmo os puristas e mais fervorosos adeptos da autenticidade na interpretação de música antiga, se forem minimamente inteligentes e/ou não estiverem já completamente desligados do mundo real, do séc. XXI já devem ter vislumbrado algo semelhante a isto - embora duvide de que lhes passe pela cabeça usar a palavra cinismo - por estas ou por outras palavras, pelas mesmas ou por razões ligeiramente diferentes.
Se eu sei o que é um comboio, um arranha-céus, uma autoestrada ou, muito mais significativamente, uma bomba atómica, não posso aspirar a tocar a minha suite de Philidor como ela seria tocada por um músico do séc. XVIII em França que, obviamente, ficaria tão estupefacto se, por acidente, viesse parar ao século XXI como eu, se fosse parar ao XVIII!
Um purista diria que, não sendo um objectivo atingível, é um ideal a perseguir... eu (pelo menos hoje) chamo-lhe cinismo! Se eu nunca tocarei a música como ela soava há 300 anos - por todas as razões e mais uma - se eu sei disso, se os outros sabem disso e se sabem que eu sei disso, então, se eu o tentar fazer obstinadamente, isso é cinismo!
Esto no departamento de "Early Music and Historical Performance Practice" - música antiga e interpretação histórica... na Música Antiga acredito... da Interpretação Histórica reservo-me o direito de duvidar (enfim, resta saber QUE interpretação histórica... DE QUEM... QUE Interpretação... QUE História????).
Não posso tocar essa música dessa maneira, mas se calhar NÃO QUERO tocar essa música dessa maneira! Quero tocar essa música da melhor forma possível, mas será sempre a minha maneira... À MINHA MENEIRA!
Em relação à minha escola... bem, continuo a achar as vantagens incomparavelmente maiores do que as desvantagens (com interpretação histórica à mistura e tudo), e acho que o melhor que tenho a fazer é aprender o mais e melhor possível a tocar esta múscia, mesmo nesta corrente estilística... se não o conseguir não vou ter legitimidade para depois dizer... não, não é isto que eu quero!
Por isto mesmo e porque o post já vai mais longo do que eu estava à espera, tenho de me despedir, já estou atrasado para um ensaio!
Vou fazer música antiga...
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1 comentário:
Vou dar a minha opinião, de ignorante, que não percebe nada de música nem de interpretação!
Acho que nem sequer é suposto, nem ninguém espera que toques como se tocava há 300 anos atrás. Acho que por muito que tentasses, não conseguirias, nem tu, nem ninguém.
Mas não acho que isso seja cinismo.
Acho que consigo perceber, o significado do teu departamento. Isto é, espero que não comeces a tocar bach a uma velocidade estúpida, com uma martelada atrás e uns sons polifónicos à frente. Mas bach tocado por ti, não é igual a bach tocado por mais ninguém. És um intérprete, certo? Não acho que interpretar o que quer que seja, seja cinismo. É ter opinião, é ser-se crítico, é demonstrar o que se gosta...
Não sei, se calhar estou a dizer disparates. Mas não deixo de os dizer, é a minha interpretação do teu texto. Beijinhos, até daqui a 4 dias.
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